
Aos locais não lhes era permitido utilizar o peso convertido, assim como aos turistas não nos era permitido usar o peso local.
Para nós (turistas) isso era indiferente, mas para os locais fazia toda a diferença.
As compras mensais eram efectuadas com “cadernetas” e os artigos racionados, conforme a composição da família e as idades das crianças, quando existiam.
Por exemplo as famílias apenas tinham direito a leite e carne vermelha, quando tinham crianças com menos de 5 anos.
Em todas as compras tinha de ser apresentada a “caderneta” onde eram apontados os produtos já adquiridos, não podendo ultrapassar determinadas quantidades impostas pelo governo.
Comprar artigos sem “caderneta” só mesmo nas lojas direccionadas aos turistas, mas aí, obrigatoriamente tinha de se pagar com peso convertido.
Por isso estas pessoas (homens e mulheres) tentavam desesperadamente obter esta moeda.
No entanto, mesmo obtendo-a, as vezes de modo humilhante, tinham ainda assim, de se humilhar mais para adquirir os produtos, isto porque não lhes era permitido comprar nestas lojas, uma vez que, não lhes era permitido estar na posse da moeda.
Assim, colocavam-se nas imediações, e, quando os turistas se aproximavam, e, que lhes pareciam simpáticos abordavam e pediam que lhes comprassem os produtos que queriam.
De facto humilhante.
Hoje ao que sei, felizmente, isso já não acontece.
Mal a noite cai as ruas enchem-se de luz e musica, todos os hotéis apresentam os seus famosos bailarinos e músicos cubanos.
Salas de espectáculos, bares e discotecas enchem-se de turistas de bolsos cheios, que bebem e riem, que se divertem e desfrutam dos encantos daquela terra.
Nas ruas, filas de mulheres e homens jovens, esperam negociar o seu próprio corpo com um qualquer turista.
Não irão sequer fixar o rosto, nem nunca decorarão o nome, daquele que em troca de alguns momentos de prazer, lhes dará alguns pesos convertidos, que matará a fome e curará as dores de um familiar querido.
Antes de viajar para Cuba, sabia das necessidades do povo, por isso, dentro do que me era permitido, levei aspirinas e outros analgésicos, sabonetes, lápis, esferográficas, cadernos e caramelos.
Durante os meus passeios pelos diversos locais fui distribuindo, em quantidades muito pequenas é verdade, mas se aliviei a dor de cabeça de algumas dezenas de pessoas, ainda que por um dia só, já me sinto feliz.
Num hotel de 5 estrelas de uma famosa cadeia espanhola, estavam avisos nas casas de banho a dizer que era proibido levar os produtos de higiene para fora do hotel.
Não liguei a mínima, todos os dias retirava os sabonetes e demais artigos e levava comigo para rua, distribuía pelas mulheres com as quais me cruzava.
Nunca ninguém ousou chamar-me a atenção, pois se eu utilizava os meus produtos que tinha levado de Portugal, tinha direito a fazer o que queria com aqueles que me pertenciam, por direito, porque os tinha pago junto com a diária do quarto.
Ao pequeno almoço, as mesas estavam compostas por uma jarra de flores e por um aviso “proibido levar comida da sala”, bom aqui, eles tinham razão, eu não devia mesmo tirar nada.
Roubei, confesso que roubei.
Mas eu só comia fruta de manhã, então sentia-me no direito de colocar discretamente na bolsa, os frasquinhos de compotas e manteigas, alguns pãezinhos e biscoitos, que faziam as delícias das crianças que encontrava na praia.
O que não fazemos pelo sorriso de uma criança! que me julguem, pouco me importa.
Para finalizar, não podia deixar de contar uma história triste que me aconteceu.
Em Varadero conhecemos um jovem Cubano no turismo, com quem negociamos todos os nossos passeios (excursões).
Alugámos um carro que ele conduzia e passámos grandes e bons momentos com ele.
Um dia, resolvemos convidá-lo para jantar connosco no restaurante do hotel.
Avisámos que teríamos um convidado e que por isso necessitávamos de uma mesa para três, como os nossos jantares estavam incluídos na diária, informámos também que pagaríamos á parte o jantar do nosso convidado.
Nenhuma questão foi levantada, e, á hora marcada, um Jesus (nome do nosso convidado), entrou na recepção do hotel, após entregar a sua identificação, com uma camisa imaculadamente branca, gel no seu cabelo limpo e negro.
Cumprimentámo-lo e dirigimo-nos á sala de jantar.
Mas o jovem é barrado á entrada e descaradamente proibiram a sua entrada na sala.
Reclamámos, discutimos, exigimos falar com o gerente, ameaçámos, pedimos livro de reclamações, enfim, levantámos um “pé de vento” á portuguesa, mas a verdade é que o nosso amigo não pode jantar connosco no hotel.
Não era permitido, porque não era permitido, porque eram as regras, e porque as regras feitas e ditadas, ninguém sabia por quem, tinham de ser religiosamente cumpridas.
Enquanto ficámos nas discussões com o gerente, o nosso convidado saiu discretamente, sem se despedir, porque não queria para ele próprio retaliações.
Compensámo-lo no dia seguinte e em outros dias, com almoços em restaurantes locais, e, com jantares em casa de habitantes, que serviam lagosta nas suas humildes casas para conseguirem os bem-ditos pesos convertidos.
Claro está, que não deixaram o Jesus entrar no restaurante do hotel, assim como não deixavam entrar qualquer outro cidadão comum do povo, para que não pudessem reclamar da falta de comida nas suas mesas, quando, as mesas dos hotéis estavam repletas das mais variadas e deliciosas iguarias.
Bom, tudo isto, se passava na altura em que visitei este país, é sobre a realidade que vi e vivi que aqui falo.
Hoje sei, que muitas coisas mudaram, para bem ao que parece. Fico feliz por isso, porque aquele povo merece viver melhor.
Um dia, quando voltar a Cuba, sei que posso levar cartões de crédito, sei que os carros circulam mais rápido, porque são modernos.
Talvez as paredes estejam já pintadas, e, não falte sabão para lavar a roupa.
Mas espero também, que as pessoas sejam livres para comprar o que querem e onde querem com o seu dinheiro, e que, existam medicamentos á sua disposição para acalmar as dores de cabeça e/ou de dentes.
Tanto que escrevi e tanto que ficou por dizer!!!
Cuba é um poço inesgotável de sensações e emoções!!!